A geração tique-toque: na era das redes, surgem novos tipos de cacoetes

A geração tique-toque: na era das redes, surgem novos tipos de cacoetes

 


Na França do início do século XIX, a marquesa de Dampierre costumava chocar a aristocracia local ao proferir palavrões e ofensas sem sentido, aos quais somava até sons de latidos. A jovem jurava não ter controle sobre seus atos, o que intrigava os médicos daquela época. Décadas depois, com base no caso de Dampierre e em outros, semelhantes, o neurologista francês Georges Gilles de la Tourette (1857-1904) descreveria uma síndrome que levaria seu nome. Trata-se de um transtorno neurológico hereditário, que costuma se manifestar na infância, caracterizado por movimentos repetitivos involuntários ou ruídos indesejados — ou, como se diz no jargão popular, tiques nervosos. Duzentos anos depois dos surtos da marquesa, pesquisadores de diversos países têm alertado para o surgimento de um novo e insólito tipo de cacoete. Sua origem é preocupante: as redes sociais, em especial o onipresente TikTok, com mais de 1 bilhão de usuários.


Uma série de artigos publicados em revistas médicas desde o começo da pandemia de Covid-19 tratou do aumento de casos de jovens que apresentaram início repentino de tiques motores e fônicos. Nas principais clínicas especializadas de Londres foram registrados seis por ano, em 2019, ante quatro por semana, no auge da pandemia, em 2020 e 2021. São sintomas diferentes dos da síndrome de Tourette (veja no quadro abaixo) e de prevalência feminina — os casos “clássicos” costumam acometer quatro homens para cada mulher. E o que tem o onipresente TikTok a ver com essa história? Verificou-se o uso e abuso de visualizações, entre as jovens acompanhadas em consultórios, de vídeos com a hashtag #tourettes. Um dos recortes do estudo cruzou dados dos consultórios e de mais de 3 000 vídeos e revelou que diversas meninas passaram a replicar involuntariamente a palavra beans (feijão) com sotaque britânico, repetindo o tique de uma popular influenciadora. Ou seja, as meninas estavam “copiando” o transtorno alheio. Esse mimetismo já foi descrito como “doença psicogênica em massa”, mas costumava ocorrer em locais geográficos específicos. As redes sociais, porém, lhe dão incômodo alcance global.

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